Mulheres que moldaram Juiz de Fora: histórias escondidas nas ruas da Região Central
- projetovielas2025
- 5 de mar.
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Atualizado: 6 de mar.
REGIÃO CENTRO
por Isabella Araújo e Priscilla Martins
A região central de Juiz de Fora é o principal polo econômico, comercial e cultural da cidade, com bairros importantes como Centro, Granbery e São Mateus. Sua localização estratégica permite a intensa circulação de pessoas, que muitas vezes se deparam com a ausência de ruas com nomes de mulheres ao observar as placas. Segundo nossa pesquisa, foram encontradas 66 homenageadas na região, sendo que a maioria se encontra às margens das praças, calçadões e vias principais do bairro.
Como pode a região mais pulsante da cidade não refletir em sua sinalização a força daquelas que também ajudaram a construí-la? É hora de olhar para as placas e questionar: onde estão as mulheres que moldaram Juiz de Fora? Nessa reportagem contamos as histórias de seis mulheres que nomeiam ruas de Juiz de Fora e que tem histórias marcantes que devem ser ouvidas e destacadas. Vamos conhecer Roza de Cabinda, Cosette de Alencar, Kátia Falconi, Dalva Menezes, Aimee Brant Horta e Martha Waltenberg.
Viaduto Roza de Cabinda, a história de uma luta pela liberdade
Roza foi sequestrada e trazida ao Brasil para ser escravizada. Foi vendida ao comendador Henrique Guilherme Halfeld para trabalhar como doméstica e lavadeira. Com a promulgação da Lei Rio Branco, também conhecida como Lei do Ventre Livre, em 1871, Roza teve a oportunidade de conquistar sua alforria.

No entanto, problemas judiciais dificultaram o processo. Segundo o projeto de Lei 205/2013 da Câmara Municipal de Juiz de Fora, que justificou a nomeação de um largo no bairro Vitorino Braga em sua homenagem, Roza decidiu vender sua liberdade por trezentos mil réis.
Porém, Henrique Halfeld considerou o valor insuficiente, argumentando que sua compra havia custado mais e utilizado como defesa que, apesar de Roza ter 44 anos na época e não possuir uma das mãos, realizava seu trabalho com eficiência. Diante disso, Halfeld decidiu negociar sua liberdade por um conto e duzentos mil réis. Em 1873, após avaliação judicial que considerou justa a oferta de Roza devido à sua idade e deficiência, sua alforria foi concedida.
Infelizmente, não há registros adicionais sobre sua vida nem fotografias conhecidas. No entanto, sua luta se tornou um símbolo de resistência por ser a primeira mulher na cidade a conquistar seu direito. Além disso, foi reconhecida também por meio de uma medalha com seu nome, entregue a mulheres que promoveram grandes avanços na cidade, a vereadora Laiz Perrut traz detalhes.

Além disso, o viaduto localizado na Rua Benjamin Constant, no centro de Juiz de Fora, foi batizado com seu nome e inaugurado em 28 de junho de 2024. O evento contou com a presença do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, da prefeita Margarida Salomão e de funcionários da prefeitura do município.

Rua Cosette de Alencar, uma escritora inspiradora
Por trás da rua sem saída localizada na região central da cidade, a juiz-forana nascida em 18 de janeiro de 1918 viveu sua infância no centro da cidade e estudou no tradicional Instituto de Educação. Seu pai, Gilberto de Alencar, foi um escritor e membro da Academia Mineira de Letras, o que influenciou Cosette a seguir na carreira de cronista e escrever para grandes jornais como o Diário Mercantil, Jornal do Comércio, o Pharol e Gazeta Comercial, segundo uma pesquisa realizada por Cláudia Thomé, professora de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Em seus destaques na produção de textos curtos que abordam temas do cotidiano de maneira leve e envolvente está a coluna Canto da Página. Iniciada nos anos 1960, Cosette trouxe relevância ao Diário Mercantil oferecendo sua perspectiva diante o ambiente da época, marcado pelo Golpe Militar de 1964 e o início da Ditadura. Thomé relata em seus estudos que a escritora se inspirou em abordar assuntos importantes, fatos noticiados pela imprensa para trazer o melhor no que faz.
Além disso, escreveu seu único romance Giroflê-Giroflá em 1971. Na obra ela reflete o espírito e o ambiente do estado de Minas Gerais, como também, o lema pessoal “O Importante é viver, o resto que se dane.” (Giroflê-Giroflá, p.85).
Outro aspecto relevante marcado em sua vida foi sua admiração pela educação. Cosette de Alencar cursou Magistério, e se tornou, após muitos anos de experiência, diretora do Instituto de Educação.
No dia 10 de julho de 1973, Cosette veio a falecer. Três anos depois, a Escola Nossa Senhora da Glória, localizada no bairro Santa Catarina recebe em sua homenagem o nome de Escola Municipal Cosette de Alencar, e funciona até hoje atendendo crianças nas proximidades.

Rua Kátia Falconi, uma história de solidariedade e amor à comunidade
Kátia era terapeuta naturalista em Juiz de Fora, utilizava métodos naturais para promover saúde e bem-estar com práticas que respeitam o equilíbrio do corpo e da mente junto com seu marido, Armando Falconi, que possui uma clínica especializada na área no bairro Paineiras.

Em 1987, o casal criou a Fundação Espírita Allan Kardec, mais conhecida como FEAK. A organização que conta atualmente com uma sede no bairro Cascatinha reúne a comunidade para o planejamento de ações solidárias voluntárias para pessoas necessitadas.
Segundo a Câmara Municipal de Juiz de Fora, a terapeuta conseguiu construir 40 casas para moradores do bairro Dom Bosco, o que marcou seu legado na cidade. Segundo o blog Oriente e Ocidente de seu marido, Kátia gostava de viajar e conhecer novas culturas.
No dia 11 de agosto de 2005, Kátia veio a falecer após ser atropelada por uma kombi. Dois anos depois, a extensão da rua Silvério da Silveira ou rua E no bairro Dom Bosco recebeu o nome de Kátia Falconi após um projeto de lei elaborado pelo vereador do partido PMDB, José de Figueirôa. O evento de inauguração teve a apresentação do coral da FEAK e discursos emocionantes.
Martha Waltenberg: Um legado de dedicação, ensino e inspiração

Há pessoas cuja existência se entrelaça de forma tão marcante com o ambiente onde viveram e trabalharam que sua memória jamais se apaga. Martha Margarida Waltenberg é uma dessas almas raras, cuja dedicação e amor ao ensino fizeram história no Instituto Granbery, onde exerceu com excelência sua vocação por 42 anos.
Nascida em Juiz de Fora, no dia 16 de janeiro de 1899, Martha cresceu em um lar de raízes alemãs, filha de David Max Waltenberg e de Paulina Stumpf Waltenberg. Desde muito cedo, a vida a desafiou. Com apenas 15 anos, tornou-se a figura materna para seus irmãos mais novos, após se tornar órfã de mãe, que morreu no parto do último filho. Foi ali que teve que ajudar seu pai a criar os irmãos, e começou a moldar a resiliência e o espírito de entrega que a acompanhariam por toda a vida.
Seus primeiros passos na educação foram dados ainda menina, quando organizou uma escolinha em sua própria casa, ensinando as primeiras letras às crianças da vizinhança. Com o passar do tempo, seu amor pelo ensino cresceu e, em 1922, ingressou como professora do primeiro ano do primário no Instituto Granbery, por intermédio de sua tia Elisa Stumpf Hees, que era funcionária de lá. O que começou como um trabalho tornou-se sua missão de vida.
Martha não apenas ensinava, mas moldava caracteres. Exigia capricho, leitura e dedicação de seus alunos, e entre eles estava uma figura que mais tarde se tornaria um nome importante da política brasileira: Itamar Franco. Ele foi seu aluno por muitos anos e carregou consigo a marca da professora que tanto admirava. Segundo relatos de sua sobrinha, Wanda Waltenberg, Itamar sempre expressou grande carinho por Martha, reconhecendo a influência na sua formação acadêmica.

Ao longo dos anos, sua atuação no Instituto Granbery foi além da sala de aula. Em 1958, assumiu o cargo de encarregada dos internos menores, tornando-se uma figura materna para muitos alunos que ali residiam longe dos próprios pais. Lecionou ginástica, artes culinárias e sempre esteve envolvida na formação integral de seus estudantes. Sua pedagogia ia além das matérias curriculares; ensinava valores, incentivava a leitura e cuidava da saúde dos seus alunos com a mesma ternura e rigor de quem realmente se importa.
Sua sobrinha, Wanda, relembra com emoção os domingos em que almoçava com a tia, já que era interna também no Colégio, e estava longe de seus pais, que a trouxeram do Rio de Janeiro para estudar. Os momentos de aprendizado e amor com a tia marcaram sua vida. Para ela, Martha não era apenas uma professora excepcional, mas um exemplo de pessoa. Seu ensinamento sobre a importância da leitura e do conhecimento ressoam até hoje, refletidos na vitalidade e lucidez de Wanda aos 92 anos.
Em reconhecimento à sua grandiosa trajetória, a cidade de Juiz de Fora imortalizou seu nome em uma rua localizada no bairro Granbery, um gesto que partiu do próprio Itamar Franco durante seu mandato de prefeito na cidade, entre 1967 a 1974. Sendo reeleito em 1972, e renunciado em 1974 para se candidatar ao Senado. Não descobri ao certo, mas foi em algum desses anos do mandato, que, em forma de agradecimento à professora que tanto lhe ensinou, nomeou uma rua do Granbery como “Rua Professora Martha Waltenberg”. Wanda mencionou na entrevista que essa rua é onde era localizado o sítio que abrigava as meninas do Internato.
Martha Margarida Waltenberg partiu em 8 de julho de 1968, mas seu legado permanece vivo na memória daqueles que tiveram o privilégio de cruzar seu caminho. Sua dedicação inabalável ao magistério, seu amor pelo ensino e seu compromisso com a formação humana fazem dela um exemplo eterno.
Que sua história inspire gerações e que seu nome seja sempre lembrado com o carinho e a gratidão que merece. Uma professora não apenas ensina, mas molda futuros. E Martha fez isso com maestria.
Aimee Brant Horta: O nome que a história não deve esquecer

Educar é um ato solene, profissão grandiosa, que forma todas as outras. Além de Martha, a história de Aimee Brant Horta merece ser lembrada e reconhecida. Nascida em 3 de junho de 1903, em São João Nepomuceno (MG), foi filha de Sinval Rocha e Maria Eugênia Renault Rocha. Desde cedo, sua vocação para o ensino se destacou, levando-a a formar-se em magistério pela Escola Dona Prudenciana, em sua cidade natal, em 1916.
Aimee trabalhou em diversas escolas ao longo de sua carreira e se destacou como organizadora e diretora do Grupo Escolar Governador Juscelino Kubitschek - localizado no bairro Santa Luzia - cargo que ocupou por cinco anos. Seu comprometimento com a educação e sua habilidade em impor ordem e disciplina fizeram com que fosse transferida para Juiz de Fora, onde continuou a desempenhar seu papel como professora exemplar.

Casou-se com José Brant Horta e teve dois filhos, Carlos Alberto Rocha Horta e Carmen Sylvia Rocha Horta Rodrigues. Carmen, por sua vez, casou-se com Wanderlan Rodrigues e teve dois filhos: Gisele Horta Rodrigues e Wanderson Horta Rodrigues. A trajetória de Aimee está registrada na própria história de Juiz de Fora, ainda que, com o tempo, muitos dos seus feitos tenham sido esquecidos.
O que começou em 1955, se mantém até hoje em 2025, são 70 anos de história que essa incrível mulher começou e que vai continuar por muito tempo ainda. Infelizmente, a falta de registros fotográficos de Aimee torna ainda mais difícil manter viva sua memória. Segundo o Diretor Escolar atual e historiador, Reuler Moreira Nascimento, tudo indica que Aimee foi diretora da escola desde a fundação, em 1953, até 1957, cumprindo os 4 anos de mandato na gestão.
Muitos documentos se perderam com o passar do tempo, sobretudo por se tratar de registros tão antigos. Mas fica aqui a marca que uma assinatura e um papel antigo carregam de uma importante história.
Ao visitar a Travessa Aimee Brant Horta, no bairro Jardim Glória, percebe-se um triste símbolo desse esquecimento: uma placa de divulgação de serviços praticamente encobre seu nome, como se sua história estivesse escondida. Isso nos leva a uma reflexão: quantas outras mulheres que contribuíram para a educação e o desenvolvimento da cidade estão sendo esquecidas? O reconhecimento delas não deveria se limitar a uma simples placa, mas ser preservado como parte fundamental da memória coletiva.

Que esta homenagem sirva para resgatar a importância de Aimee Brant Horta, uma professora que dedicou sua vida ao ensino e cujo impacto foi fundamental na criação e continuidade da Escola Governador Juscelino Kubitschek, que há 70 anos continua sendo um pilar da educação na cidade. Esperamos que possíveis familiares possam reconhecer esse nome e ajudar a manter viva a memória de uma mulher que tanto fez pela educação e pelo futuro de Juiz de Fora. O tempo pode apagar documentos, mas não deve apagar histórias.
Dalva Gama de Menezes: Um Legado de Educação e Solidariedade
Também professora, Dalva Gama de Menezes, nascida em 9 de junho de 1902 em Rio Novo, Minas Gerais, foi uma educadora e poetisa que deixou marcas profundas na comunidade de Juiz de Fora. Filha de Joaquim do Carmo Gama, renomado poeta e membro da Academia Mineira de Letras, e de Maria José Bretas Gama, Dalva seguiu os passos do pai, dedicando-se às letras e à educação.
Formada em magistério pela Escola Normal Dr. Basílio Furtado em 1919, Dalva dedicou três décadas de sua vida ao ensino, com destaque para sua atuação no Grupo Escolar José Rangel. Este grupo foi estabelecido em 1907 no histórico Palacete Santa Mafalda em Juiz de Fora, prédio em frente a Catedral de estrutura antiga e muito admirada, com o nome de “Grupos Centrais”.
Em 1915, foi separado em dois, um sendo “Grupo José Rangel”, em homenagem a José Rangel, seu primeiro diretor, e o outro “Grupo Delfim Moreira”. O edifício, de estilo neoclássico, tornou-se um marco na educação local, abrigando posteriormente a Escola Estadual Delfim Moreira.

Além de sua carreira docente, Dalva envolveu-se em diversas obras de caridade, contribuindo com instituições como a Associação dos Cegos, o Apostolado da Doação, a Irmandade da Ordem Terceira de São Francisco, a Irmandade da Terra Santa e as Damas da Caridade. Sua dedicação ao próximo refletia-se também em sua produção literária, que incluía poesias como "O Manto de São José", "Lenda Medieval", "Orgia dos Netos" e "Quarto 3". Notavelmente, Dalva compôs hinos para o Grupo Escolar José Rangel e para o Clube dos Onze, demonstrando seu talento e compromisso com a cultura local.
Ao entrar em contato com a Escola para procurar registros dela como professora e autora do Hino, infelizmente foi possível perceber que essa é mais uma história perdida e esquecida nos registros. O “Grupo José Rangel” é uma escola extinta, que fechou, virou outro nome e se tornou Estadual. Durante todas as mudanças de lugar, tempo e tecnologias, muitos registros foram perdidos.
[extinto]
adjetivo
que se extinguiu
pessoa já falecida; morto
Tantas histórias passaram por lá, pessoas que estudaram e seguiram diferentes caminhos. Tanta coisa para descobrir. Mas, foram extintas. Que nos sirva para refletir sobre a memória, reconhecimento e valor que damos às coisas. E que Dalva seja sempre lembrada, como a voluntária, pessoa de coração bom, poetisa que foi.
A rua fica em um lugar conhecido na cidade, rua de cima da “Praça do bar du Léo”. Tem três casas na rua, mas apenas uma, no meio, com a entrada realmente na Dalva Menezes. Biroska, um bar e restaurante, tem sua entrada na Rua Dr. João Pinheiro, se localizando assim no endereço. Já a da outra esquina, tem entrada na Rua Uruguaiana, se identificando assim também no endereço.

Na casa do meio, a moradora, uma senhora, afirmou que mora ali desde que nasceu, aproximadamente uns 70 anos. Mas que a rua já tinha esse nome e seus pais nunca falaram nada sobre quem foi e porque chamava isso. No bar du Léo, as funcionárias informaram que o bar também existe a muitos anos, por volta de 60. E que também não tinham nenhum registro e conhecimento. Durante esta visita, ficou marcado que elas mostraram curiosidade e interesse em descobrir quem foi Dalva. Por isso a importância dessa reportagem: mostrar para o mundo histórias escondidas.
Em reconhecimento a suas contribuições, uma rua no bairro Jardim Glória, em Juiz de Fora, foi nomeada em sua homenagem: Rua Professora Dalva da Gama Menezes. Dalva faleceu em 22 de maio de 1965, mas seu legado permanece vivo na memória da cidade e nas instituições que tiveram o privilégio de contar com sua dedicação e talento.
"O reconhecimento dessas educadoras não deveria se limitar a uma simples placa, mas ser preservado como parte fundamental da memória coletiva." Conheça algumas das mulheres que se entregaram ao ato de ensinar e nomeiam as ruas da Região Central de Juiz de Fora.

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