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Mulheres que construíram a Zona Leste de Juiz de Fora

REGIÃO LESTE


por Alice Oliveira


A Região Leste de Juiz de Fora é uma das regiões mais tradicionais e dinâmicas da cidade, marcada por uma rica história de luta comunitária e um processo contínuo de desenvolvimento. Formada por 34 bairros, incluindo São Bernardo, Manoel Honório, Grajaú e São Benedito, a região desempenha um papel fundamental na economia e na mobilidade urbana do município.  


Historicamente, a área cresceu a partir da expansão industrial e comercial da cidade, atraindo trabalhadores e se estabelecendo como um importante pólo residencial e comercial. O bairro Manoel Honório, por exemplo, se destaca pelo seu comércio movimentado e localização estratégica, servindo como um dos principais acessos à região central. 


Já o São Bernardo é conhecido pelo Mirante que oferece uma vista privilegiada da cidade. O bairro São Benedito, também conhecido por sua vista privilegiada que revela grande parte da cidade, carrega em sua história a presença marcante das lavadeiras que utilizavam as minas locais para seu trabalho. Esse legado, repleto de memórias e significados, é motivo de estudos acadêmicos e orgulho para os moradores.


A infraestrutura da Zona Leste conta com escolas, unidades de saúde, praças e transporte público para os moradores. Com um equilíbrio entre tradição e modernidade, a região continua crescendo e se destacando, sendo uma peça fundamental no desenvolvimento urbano, econômico e cultural de Juiz de Fora.


Diversas mulheres desempenharam um papel fundamental na construção dos bairros, que hoje fazem parte da Região Leste, e no desenvolvimento de Juiz de Fora, seja no trabalho, na cultura ou na luta por melhorias para as comunidades. Suas histórias, repletas de força e resistência, merecem ser contadas e valorizadas, pois fazem parte da identidade e do desenvolvimento regional e municipal. Em homenagem a estas figuras, diferentes ruas, travessas e passagens da região recebem seus nomes. Ao todo, 74 foram as personalidades contempladas.


As ruas da Região Leste de Juiz de Fora homenageiam mulheres que deixaram um legado inspirador na história da cidade. Seus nomes são carregados de força, coragem e dedicação em diferentes áreas, desde a educação, espiritualidade, cultura e luta por direitos. 


Entre essas mulheres que inspiram e dão nome às ruas da Região Leste estão: Luzia dos Santos Carriço, Noêmia Egídia dos Santos, Carlita Assis Pereira, Celina Bracher, Albertina Cardoso Schneider e Ormezinda Gomes Rocha. Suas histórias serão contadas e revisitadas nesse texto. 


Luzia dos Santos Carriço: História de Solidariedade e Dedicação em Juiz de Fora


Luzia dos Santos Carriço  era filha de Antônio dos Santos e Catarina Gregorina dos Santos. Nasceu na Itália, em 1896, e se casou com João Gonçalves Carriço no dia 28 de dezembro de 1912, com quem teve seu único filho, Manoel Gonçalves Carriço Netto, nascido em 31 de dezembro de 1914.  


Foi uma esposa dedicada e uma mãe exemplar, conhecida por sua bondade e generosidade. Sempre apoiou o marido (cineasta e carnavalesco de Juiz de Fora) em seus trabalhos, especialmente quando ele era chamado para enfeitar as ruas da cidade em festas importantes. Nesses momentos, era Dona Luzia, como era conhecida, quem fazia as bandeirinhas ornamentais.  


Anúncio da funerária Viuva Carriço (Fonte: O Pharol, Juiz de Fora, edição 216, p.5, 11/09/1918)
Anúncio da funerária Viuva Carriço (Fonte: O Pharol, Juiz de Fora, edição 216, p.5, 11/09/1918)

Durante a epidemia da gripe espanhola, Juiz de Fora enfrentou uma grande crise. A funerária da cidade pertencia à sogra de Dona Luzia, Maria Carriço, e todos os funcionários, incluindo seu marido, adoeceram. Para ajudar, Dona Luzia e seu irmão, Antônio dos Santos Júnior, passaram dias e noites fabricando caixões, garantindo que as vítimas pudessem ser sepultadas. Pelo seu esforço e solidariedade, recebeu uma homenagem das autoridades locais.  


Dona Luzia praticava a  caridade e ajudava diversas instituições de assistência social, mas sempre de forma discreta, sem buscar reconhecimento. Em 1927, ela e o marido criaram o Cine Popular, um cinema voltado para a população de menor renda, oferecendo ingressos baratos e ajudando instituições de caridade sempre que necessário.  


Após a morte do marido, continuou ajudando seu filho a manter o Cine Popular, garantindo que os mais pobres tivessem acesso à cultura e lazer. Mesmo depois da chegada do cinema falado, manteve a orquestra do local por muitos anos, preocupada com os músicos que dependiam daquele trabalho. Nos matinês, distribuía balas para as crianças e deixava entrar gratuitamente aquelas que não podiam pagar. 


Fachada do Cine Popular, localizado na Avenida Getúlio Vargas, em 1922 (Fonte: Blog Maria do Resguardo)
Fachada do Cine Popular, localizado na Avenida Getúlio Vargas, em 1922 (Fonte: Blog Maria do Resguardo)

Além disso, cedeu o espaço do cinema para eventos beneficentes sempre que solicitado. Seu espírito generoso fez dela uma figura muito querida na cidade.  


Em 1966, doou ao Museu Mariano Procópio um acervo valioso da produtora de seu marido, a Carriço Filmes, pioneira do cinema em Minas Gerais, incluindo filmes históricos e equipamentos antigos. Esse material documenta cerca de 40 anos da história social, política e cultural de Juiz de Fora.  


Acervo “Carriço Filmes” no Museu Mariano Procópio em 2024 (Fonte: Alice Lannes)
Acervo “Carriço Filmes” no Museu Mariano Procópio em 2024 (Fonte: Alice Lannes)

Por sua dedicação à família, generosidade e simplicidade, Dona Luzia conquistou o respeito e a admiração da sociedade juiz-forana. Sua memória será sempre lembrada pelos muitos que ajudou e pelas instituições que receberam seu apoio. Como uma justa homenagem, seu nome foi dado a uma rua da cidade.


Noêmia Egídia dos Santos: Uma Vida de Dedicação à Comunidade 


Noêmia Egídia dos Santos nasceu em 15 de julho de 1903, na cidade de Três Ilhas, Minas Gerais, e faleceu em 18 de fevereiro de 1978. Filha de Flávio da Silva e Castorina Egídia dos Santos, casou-se com José Zacarias dos Santos, com quem teve dez filhos: Ignácio, José Zacarias Júnior, Victor, Sebastião Ivo, Euclides Zacarias, Acácio, Antônia, Edith, Maria do Carmo e Teresa dos Santos.  


Igreja do bairro São Benedito alguns anos após sua construção em 1968 (Fonte: Facebook grupo “Meu bairro, São Benedito”)
Igreja do bairro São Benedito alguns anos após sua construção em 1968 (Fonte: Facebook grupo “Meu bairro, São Benedito”)

Muito religiosa, Noêmia foi uma das pioneiras na Comissão de Construção da igreja do Bairro São Benedito, sempre participando ativamente das campanhas comunitárias, sem deixar de lado seus deveres como esposa e mãe. Sua família vive há mais de 50 anos no bairro, contribuindo significativamente para a comunidade.  


A nomeação de uma rua em homenagem a Noêmia Egídia dos Santos foi uma forma de reconhecer sua dedicação e a contribuição de sua família para a  comunidade do bairro São Benedito.




Carlita Assis Pereira: História, espiritualidade e legado em Juiz de Fora 


Maria da Conceição Assis Pereira, conhecida como Dona Carlita, nasceu no dia 11 de março de 1900, em Piau, Minas Gerais. Filha de Carlos Benício de Assis e Cornélia Bernardino de Assis, se mudou com a família para Juiz de Fora quando ainda era criança. Estudou na Escola Paroquial da Igreja de Santo Antônio e depois no Colégio Stella Matutina, onde se formou como professora em 1915.


Colégio Stella Matutina no início do século XX. 
Colégio Stella Matutina no início do século XX. 

Em 1916, se casou com Carlos Pereira Batista, um dentista e professor, com quem teve 12 filhos. A família morou em várias cidades, incluindo Chácara, Coronel Pacheco e São Sebastião do Herval (hoje Ervália), onde Dona Carlita trabalhou como professora e cuidou da casa. Após a morte precoce do marido, ela ficou viúva aos 41 anos e se dedicou completamente à criação e educação dos filhos, trabalhando como bordadeira para sustentar a família.


Dona Carlita também foi muito ativa na comunidade religiosa. Ela se tornou uma espécie de mãe espiritual para muitos seminaristas e recebeu diversos títulos em reconhecimento ao seu trabalho, como o de "Mãe dos Apostólicos" em 1959 da Escola Dominicana de Juiz de Fora e "Mãezinha do Colégio Imaculada" em 1964.


Escola Dominicana em 1959 (Fonte: Reprodução Google)
Escola Dominicana em 1959 (Fonte: Reprodução Google)

Seus filhos se formaram e dois se tornaram cirurgiões-dentistas, duas professoras, dois advogados, dois administradores de empresa, uma freira (falecida em 1973), uma farmacêutica e uma contadora. Dona Carlita faleceu em Juiz de Fora aos 76 anos, cercada por seus filhos, netos e amigos, deixando um legado de generosidade, dedicação à família e à comunidade. 


Celina Bracher: Uma vida pela arte e edução 


Celina Bracher (Fonte: Blog Bernado Mascarenhas) 
Celina Bracher (Fonte: Blog Bernado Mascarenhas) 

Celina Henriqueta Bracher nasceu em Belo Horizonte no dia 27 de março de 1934, filha de Waldemar e Hemengarda Bracher. Iniciou sua formação acadêmica no Grupo Escolar Antônio Carlos, antes de se transferir para o Instituto Granbery, onde se destacou como excelente aluna. Mais tarde, formou-se em História pela Faculdade de Filosofia e Letras de Juiz de Fora, onde se dedicou aos estudos sobre arte, história e as conexões culturais entre os povos. Faleceu em 7 de março de 1965, aos 30 anos, no mesmo ano em que concluiu sua graduação.


Celina também era uma entusiasta da Logosofia, uma ciência humanística originária da Argentina, e representou Juiz de Fora no I Congresso Mundial da Logosofia, realizado no Uruguai em 1962. Durante sua vida, ela atuou como professora no Curso Pré-Vestibular da Faculdade de Filosofia e trabalhou no IAPI.




Como artista plástica, Celina produziu uma obra de estilo simples e autêntico, exposta em vários salões oficiais e em uma mostra coletiva com seus irmãos Décio, Carlos e Nívea, que mais tarde fundaram a Galeria de Artes Celina, em homenagem a ela. Em 1963, ela foi premiada no Festival Universitário de Arte de Belo Horizonte e obteve Menção Honrosa no Salão Oficial de Juiz de Fora.


Waldemar e Hermengarda Bracher com os filhos Nívea, Paulo, Celina, Décio e o caçula Carlinhos (Fonte: Site BlimaBracher)
Waldemar e Hermengarda Bracher com os filhos Nívea, Paulo, Celina, Décio e o caçula Carlinhos (Fonte: Site BlimaBracher)

A família Bracher teve um papel importante na cultura de Juiz de Fora nas décadas de 1950 a 1970, especialmente nas áreas de música e artes plásticas. Em sua residência, o "Castelinho dos Brachers" (Rua Antônio Dias, 300), surgiu o Coral Pio XII, que, em 1967, foi um dos originários do Coral da Universidade Federal de Juiz de Fora. 


Além de sua produção artística, Celina Bracher deixou um legado cultural duradouro, sendo uma figura central na formação do ambiente artístico e intelectual de Juiz de Fora.

Ormezinda Gomes Rocha: O pioneirismo negro no Direito brasileiro 


Ormezinda Gomes Rocha, nascida em 1908 em Juiz de Fora, Minas Gerais, foi uma das primeiras mulheres negras a se formar em Direito no Brasil, concluindo o curso em 1937 na Faculdade de Direito de Minas Gerais, em Belo Horizonte. 


Além de advogada, foi professora, escritora e ativista, defendendo os direitos das mulheres e da população negra e lutando contra o racismo e o preconceito. Em reconhecimento à sua contribuição, uma rua no bairro Progresso, em sua cidade de origem, recebeu o nome de Rua Ormezinda Gomes Rocha. Seu legado é um exemplo de superação e luta por igualdade.

Faculdade de Minas Gerais no início do século XX (Fonte: Reprodução Google)
Faculdade de Minas Gerais no início do século XX (Fonte: Reprodução Google)

Albertina Cardoso Schneider: Pioneira no desenvolvimento de Juiz de Fora 


Albertina Cardoso Schneider nasceu em 11 de janeiro de 1901, na cidade de Sobragi em Minas Gerais. Era filha de José Dionísio e Maria da Glória Cardoso. Foi casada com Gustavo Roberto Schneider.


Albertina teve um papel fundamental no desenvolvimento dos bairros Manoel Honório, Nossa Senhora Aparecida e Grajaú. Sendo uma das primeiras moradoras do bairro Grajaú, ela se destacou por suas contribuições à comunidade local.


Faleceu em Juiz de Fora em 21 de maio de 1982. Em reconhecimento ao seu legado, uma passagem no bairro Grajaú recebeu seu nome em 1993. 


Vista do bairro Vitorino Braga em 1977, onde se percebe algumas ruas do bairro Grajaú (Fonte: Blog Maria do Resguardo) 
Vista do bairro Vitorino Braga em 1977, onde se percebe algumas ruas do bairro Grajaú (Fonte: Blog Maria do Resguardo) 

Reconhecer a trajetória dessas mulheres é essencial para preservar a memória e a identidade da Região Leste e de Juiz de Fora, pois suas contribuições foram fundamentais para o crescimento da região e, consequentemente, para o desenvolvimento da cidade. Seja na construção dos bairros, no trabalho comunitário ou na defesa de direitos, elas deixaram um legado de luta e transformação que merece ser lembrado e valorizado. Suas histórias merecem ser contados e suas memórias preservadas.


Acesse o mapa para navegar pelas ruas da Região Leste.
Acesse o mapa para navegar pelas ruas da Região Leste.


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​Disciplina de Jornalismo Digital 2024.3
Faculdade de Comunicação, Universidade Federal de Juiz de Fora  - MG

Desenvolvimento: Alice Lannes e Marcos Vinícius

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