As mulheres que dão nomes às ruas e avenidas da Região Sul
- projetovielas2025
- 7 de mar.
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REGIÃO SUL
por Júlia Ferreira e Yasmin Guimarães
A Zona Sul de Juiz de Fora é uma região de contrastes. De um lado, bairros consolidados como Cascatinha e Santa Luzia, com grande fluxo comercial e vias movimentadas. Do outro, comunidades em crescimento, onde a urbanização ainda se desenha a partir da luta cotidiana de seus moradores. A região se destaca pela grande movimentação comercial e diversas opções de serviços, mas também por abrigar bairros que enfrentam desafios históricos de desigualdade social. Mas, quando olhamos para seus nomes de ruas, surge um questionamento: quantas delas homenageiam mulheres?
Entre avenidas movimentadas e vielas escondidas, poucas carregam nomes femininos: apenas 69 na região. Um reflexo de como a história costuma ser contada – e de quem a conta. No entanto, algumas mulheres conseguiram romper esse ciclo, deixando suas marcas não apenas na sociedade, mas também na geografia da cidade. Margarida Maria Alves, Darcy Vargas, Maria da Conceição Celeste Hespanhol, Anna Nery, Geraldina Carvalho Pinto e Marcy Deotti Ibrahim são seis dessas figuras. Mais do que nomes em placas de rua, suas trajetórias carregam histórias de luta, resistência e transformação.
Darcy Vargas: muito além de primeira-dama, um legado de solidariedade
Darcy Sarmanho Vargas, nascida em 12 de dezembro de 1895, em São Borja - RS, foi pioneira na criação de órgãos assistenciais pertencentes à estrutura do estado. Casada com Getúlio Vargas, destacou-se por sua atuação independente na área social, promovendo iniciativas que beneficiaram milhares de brasileiros. Porém, ainda antes de se tornar primeira-dama, Darcy já demonstrava sensibilidade para questões sociais.

Em 1930, no contexto da Revolução que levou Getúlio ao poder, ela organizou a Legião da Caridade, um grupo formado por mulheres da elite gaúcha para confeccionar roupas para os revolucionários e distribuir alimentos às suas famílias. Com a consolidação de Vargas na presidência, Darcy expandiu sua atuação filantrópica.
Nos anos 1930 e 1940, dedicou-se ao trabalho no Abrigo Cristo Redentor, uma instituição voltada ao acolhimento de crianças em situação de rua. Posteriormente, fundou a Fundação Darcy Vargas, que tinha como principal projeto a Casa do Pequeno Jornaleiro, um espaço criado para oferecer melhores condições de vida a jovens que trabalhavam como jornaleiros e viviam em extrema pobreza.
Sua maior iniciativa, no entanto, veio em 1942, com a criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA). Originalmente planejada para ajudar as famílias dos soldados brasileiros que participaram da Segunda Guerra Mundial, a instituição rapidamente ampliou sua missão, tornando-se um dos principais órgãos de assistência social do país. A LBA oferecia apoio a mães e crianças em situação de vulnerabilidade, promovia programas de saúde e educação e chegou a se tornar referência em ações sociais no Brasil. Mesmo após a morte de Darcy, sua fundação e suas iniciativas continuaram influenciando políticas assistenciais.

Darcy Sarmanho Vargas faleceu em 25 de junho de 1968, aos 72 anos de idade. Sua atuação não se restringiu aos palácios presidenciais ou ao papel simbólico de primeira-dama. Ela utilizou sua posição para impulsionar mudanças concretas e estruturais, criando uma rede de apoio para aqueles que mais precisavam. Em uma época em que o espaço feminino na política e na sociedade era restrito, ela se destacou como uma líder social de impacto duradouro.
No dia 07 de outubro de 1968, pela LEI N.º 3.057, passou a denominar-se Avenida Darcy Vargas a antiga Rua "A", que liga o Bairro Ipiranga ao Bairro São Geraldo. Muito além da esposa de Getúlio Vargas, Darcy Vargas foi uma mulher que deixou sua marca na história do Brasil através do compromisso com a solidariedade e a assistência aos mais necessitados.
Margarida Maria Alves: a voz do campo que ecoa na cidade
Margarida Maria Alves, nascida em 5 de agosto de 1933, em Alagoa Grande - PB, foi uma sindicalista e defensora dos direitos humanos brasileira, cujo nome se tornou um símbolo da luta pela igualdade de direitos para as mulheres do campo. Criada em uma família humilde, Margarida cresceu vendo de perto as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores rurais. Ainda na infância, sua família foi expulsa das terras onde vivia, vítima da concentração fundiária que marcava a região.

Em 1973, tornou-se presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, sendo uma das primeiras mulheres a ocupar esse cargo no Brasil. Durante sua gestão, liderou mais de 600 ações em defesa dos direitos trabalhistas, reivindicando carteira assinada, décimo terceiro salário, direito à educação e melhores condições de trabalho para os camponeses. No entanto, sua atuação firme e combativa despertou a ira dos latifundiários locais, que passaram a ameaçá-la constantemente.
Mesmo diante da repressão da ditadura militar, Margarida não cedeu às intimidações de fazendeiros e autoridades. Lutou contra jornadas exaustivas, salários miseráveis e a exploração do trabalho infantil nos canaviais da Paraíba. Além de sua atuação sindical, dedicou-se à educação como ferramenta de transformação social. Junto com Paulo Freire, educador e patrono da Educação brasileira, ajudou a fundar o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural, espaço que promovia a conscientização e a formação política dos camponeses.
Em um discurso no Dia do Trabalhador, em maio de 1983, declarou: "É melhor morrer na luta do que morrer de fome." Três meses depois, em 12 de agosto, foi brutalmente assassinada em frente à sua casa, na presença de sua família. O crime, encomendado por fazendeiros da região, teve grande repercussão entre sindicatos e organizações de mulheres na Paraíba, que passaram a exigir justiça e a manter viva sua luta. Margarida se tornou um ícone para o movimento sindical e feminista no Brasil.
Décadas depois, seu assassinato permanece sem solução. Seu legado, no entanto, segue vivo. Seu nome inspira a Marcha das Margaridas, uma das maiores mobilizações de mulheres trabalhadoras da América Latina. Realizada a cada quatro anos, a marcha reúne camponesas, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, extrativistas e diversas outras mulheres do campo, das florestas e das águas. Elas percorrem longas distâncias até Brasília para exigir políticas públicas e denunciar as desigualdades que persistem no meio rural. Unidas pelo lema "Margaridas em Marcha por um Brasil com soberania popular, democracia, justiça, igualdade e livre de violência", essas mulheres reafirmam sua resistência e a luta por um país mais justo.
No dia 09 de janeiro de 1998, pela LEI N.º 9.196, passou a denominar-se Rua Margarida Maria Alves, a antiga Rua "B", do Loteamento Vale Verde, no Bairro São Geraldo. Ser uma Margarida é seguir transformando realidades, ocupando espaços e mantendo viva a memória de todas que, como Margarida Maria Alves, dedicaram suas vidas à defesa dos direitos das trabalhadoras do campo.
Maria Celeste: a força de uma comunidade
Maria da Conceição Celeste Hespanhol, nascida em 13 de junho de 1938, em Juiz de Fora (MG), foi uma mulher cujas contribuições para o bairro Santa Luzia são lembradas com gratidão até hoje. Filha de Pedro Celeste Hespanhol e Carmem Celeste Hespanhol, cresceu em uma das primeiras famílias a se estabelecer na região, enfrentando as dificuldades da primeira metade do século XX. A carência de recursos e a distância da escola marcavam a vida no bairro, onde a população figurava entre as mais pobres de Juiz de Fora.
Criada ao lado de seis irmãos, acompanhou de perto o desenvolvimento da região, que, ao longo dos anos, se transformou em um importante núcleo comunitário. Naquela época, o bairro ainda era pequeno, modesto, e conhecido por muitos como "Cachoeirinha". O nome, aliás, tem um significado direto: nos fundos da fazenda de mesmo nome, havia uma cascata que fluía em direção ao córrego Ipiranga, localizado no final da Rua Ibitiguaia, a via principal do bairro.
Era um tempo de escassez, mas também de grande transformação e crescimento: a região necessitava de novas terras para abrigar seus moradores. Maria viu o bairro crescer e prosperar, à medida que o espaço da fazenda, agora dividida, dava lugar a novos terrenos, tornando-se uma das primeiras a acreditar no potencial da região.


Aos 17 anos, em 11 de maio de 1957, casou-se com José Resende e adotou o nome de Maria da Conceição Celeste Resende. Durante 43 anos de casamento, construíram uma família numerosa e enraizada em Santa Luzia, criando e educando seus oito filhos na mesma comunidade onde nasceu.
Além da vida familiar, esteve sempre envolvida nas atividades da paróquia e nos eventos organizados pela vizinhança. Naquela época, o bairro ainda não contava com uma capela, e os moradores percorriam longas distâncias até a Igreja de São Mateus para participar das missas celebradas pelo padre Gustavo Freire. A paróquia, que abrangia os bairros periféricos, incluindo a Cachoeirinha, atendia a toda aquela região.
O compromisso de Maria com o desenvolvimento da região se refletiu também em sua atuação nas reuniões que levaram à criação do Residencial Arco Íris, um loteamento que se tornou realidade e hoje abriga diversos moradores. Seu nome ficou marcado por um trabalho voluntário incansável e um compromisso com o bem-estar coletivo, tornando-se um exemplo de cidadania para todos ao seu redor. Com o passar dos anos, Maria se tornaria uma verdadeira pioneira do bairro, pautada pelo desejo de promover melhorias para aqueles ao seu redor.
Maria da Conceição Celeste Resende faleceu em 2 de maio de 1999, aos 61 anos, deixando um legado que perdura até hoje. O bairro Santa Luzia, com suas ruas simples, os pequenos comércios e as casas modestas, são testemunhas de um tempo em que as pessoas, como Maria, lutavam para transformar suas realidades.
No dia 11 de janeiro de 2002, pela LEI N.º 10.136, passou a denominar-se Rua Conceição Celeste a antiga Rua "D", do Loteamento Arco Íris, no Bairro Ipiranga. Seu nome, agora eternizado em um logradouro da cidade, simboliza uma mulher que foi além de sua família, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento da região, e se tornando um exemplo para inúmeras gerações futuras.
Anna Nery: pioneira da enfermagem brasileira
Anna Justina Ferreira Nery nasceu em 13 de dezembro de 1814, em Cachoeira, na Bahia. Ela veio de uma família que, para a época, tinha elevado poder econômico. Como era comum as mulheres da época, Anna foi educada em casa e se casou aos 23 anos com o capitão da Marinha Isidoro Antônio Nery. Dessa união nasceram seus três filhos: Justiniano, Isidoro Antônio e Pedro Antônio.
Após cinco anos de casamento, seu marido faleceu, deixando-a viúva aos 29 anos com três filhos pequenos. Diante das novas responsabilidades, mudou-se para Salvador para garantir os estudos dos filhos. Quando o Brasil entrou na Guerra do Paraguai, os três filhos de Ana Nery foram convocados para a batalha. Para não ficar longe deles, ela escreveu uma carta ao presidente da Província da Bahia e se voluntariou para cuidar dos feridos durante o conflito.
De Salvador para o Rio Grande do Sul, recebeu treinamento com as irmãs de caridade de São Vicente de Paulo. Já no Paraguai, montou uma enfermaria com recursos próprios e se destacou pela dedicação inabalável. Quando a Guerra terminou, retornou ao Brasil acompanhada com seis órfãos, que perderam seus pais durante os combates.

Seu papel foi fundamental para a enfermagem no Brasil. Sua coragem e sua dedicação foram essenciais para consolidar seu lugar na história da profissão. Faleceu no dia 20 de maio de 1880. Em sua homenagem, em 1923, foi fundada a Escola de Enfermagem Anna Nery, vinculada à UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

No dia 4 de novembro de 1968, por meio do projeto de lei n° 3.073 passou a denominar Rua Enfermeira Ana Nery a antiga rua "G", que se inicia na rua Ingrácia Pinheiro, no Bairro Santa Luzia, pelo governo municipal do prefeito Itamar Franco.
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Fé e caridade: a dedicação de Geraldina Carvalho Pinto
Geraldina de Carvalho Pinto nasceu em Juiz de Fora no dia 19 de março de 1927. Cursou o ensino primário e o ginásio no Colégio Stella Matutina e, posteriormente, formou-se em contabilidade pelo Colégio Machado Sobrinho.

Ao longo de sua vida, dedicou-se à caridade. Foi zeladora do Cristo Redentor de Juiz de Fora e da Gruta de Nossa Senhora Aparecida, localizada na entrada principal da Catedral Metropolitana, cargo que ocupou até sua morte.
Além de preservar patrimônios históricos da cidade, integrou a Irmandade do Carmo e lecionou aulas de bordado na escola da Catedral Metropolitana. Sempre lembrada por sua simpatia e generosidade, Geraldina faleceu em 2 de outubro de 1975.
No dia 21 de dezembro de 1976, por meio da Lei n° 5.165 passou a denominar Rua Geraldina Carvalho Pinto a antiga rua "K", do Loteamento David Kock Torres, no Bairro Santa Luzia, pelo governo municipal do prefeito Saulo Pinto Moreira.
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Marcy Deotti Ibrahim: empreendedora e referência no setor alimentício
Marcy Deotti estudou na Escola Normal e no Colégio Santa Catarina, em Juiz de Fora. Empresária no ramo do café, padaria e lanchonete, teve um papel importante no desenvolvimento econômico da cidade.
No período Pós-Segunda Guerra Mundial, Marcy, seus dois irmãos e seu pai, Alípio Deotti, assumiram a administração da Companhia Apollo de Produtos Alimentícios. Ao longo dos anos, a empresa expandiu suas atividades, incorporando diversas marcas, como Café Apollo, Café Novo Horizonte, Lanchonete Apollo, Padaria Apollo e Pizzaria Apollo. O dinamismo dos filhos contribuiu para o crescimento do empreendimento na região.

A família Deotti transformou o mercado de cafeeiro local ao optar por beneficiar os grãos ao invés de exportá-los. Durante 60 anos, contribuíram na projeção de Juiz de Fora e da Zona da Mata Mineira pelo Brasil.
Marcy Deotti Ibrahim esteve à frente da companhia, onde exercia o cargo de Presidente. Ainda hoje, é lembrada pelos colaboradores como uma mulher séria, mas com um senso de humor equilibrado.

Em 1950 casou-se com Mário Elias Ibrahim, contador, empresário e construtor e dessa união nasceram seus cinco filhos: Rogério Deotti Ibrahim, Mário Elias Ibrahim filho, José Elias Deotti Ibrahim, Maria Beatriz Deotti Ibrahim e Márcio Antônio Deotti Ibrahim. Faleceu no dia 18 de maio de 2017.
No dia 19 de abril de 2021 por meio do projeto de lei n° 14.176 passa a denominar Rua Marcy Deotti Ibrahim a atual rua "A", localizada no Loteamento Residencial Santa Lola, no Bairro Sagrado Coração, pelo governo da prefeita Margarida Salomão.
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A nomeação de ruas em homenagem às mulheres reflete o reconhecimento de suas contribuições para a história e desenvolvimento de Juiz de Fora. Essas mulheres deixaram um legado que ultrapassam suas trajetórias individuais e se inserem na identidade da cidade.

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