“As mulheres do início”: vozes da Região Sudeste
- projetovielas2025
- 7 de mar.
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Ocultista, pioneira e matriarca: Conheça a história de 6 mulheres que nomeiam as ruas da região mais antiga da cidade de Juiz de Fora.
REGIÃO SUDESTE
por Sophia Bispo e Yasmin Ponté
A cidade de Juiz de Fora, que atualmente conta com cerca de meio milhão de habitantes, tem seu passado frequentemente associado ora às grandes fazendas de café, ora ao grande número de imigrantes europeus que ajudaram a erguer os casarões que rodeiam suas ruas e calçadões. Entretanto, seu verdadeiro advento remonta ao século XVIII e ocorreu longe das regiões centrais. A "Princesinha de Minas" é filha da periferia do "Morro da Boiada", na afastada e frequentemente negligenciada Zona Sudeste, como destaca o historiador e poeta Antônio Carlos Ferreira em seu livro A Lenda do Morro da Boiada.
"Essa região é o polo sociogenético da formação do ser juiz-forano futuro. É o sítio arqueológico mais importante que temos", afirma Antônio.
Durante o período do "Ciclo do Ouro", o Morro servia como ponto de apoio para tropeiros que transitavam entre o interior de Minas Gerais e o Rio de Janeiro. No entanto, devido aos constantes assaltos ao longo da travessia, Dom Pedro II ordenou a abertura do Caminho Novo, que cruzaria a localidade. Com isso, o fluxo de pessoas na região se intensificou, e a antiga Vila de Santo Antônio do Paraibuna foi elevada à categoria de cidade em 1865, sendo rebatizada como Juiz de Fora.
Apesar de sua grande relevância histórica, a Zona Sudeste — composta por cerca de 24 bairros, entre eles Vila Ideal, Floresta, Retiro, Santo Antônio, Parque Serra Verde e Porto do Sol — ainda é vista como uma das periferias da cidade, frequentemente associada à criminalidade e à falta de assistência social. No entanto, é por entre esses morros, vielas e zonas rurais que a história e o legado de 54 mulheres dão nome a ruas diversas.
“Até que nem tão esotérica assim”

Nascida no dia 30 de julho de 1831, dentro do Império Russo, na região queatualmente corresponde à Ucrânia, Helena Petrovna Blavatsky foi uma escritora e filósofa que dedicou sua vida ao estudo da espiritualidade e do ocultismo. De olhos azuis penetrantes e pele clara, seu objetivo era “descortinar os véus do mundo revelando assim, a verdade final”.
Além de ter sido a principal responsável pela sistematização da Teosofia moderna, - cujo um dos objetivos é refletir sobre a origem e o propósito do universo - ela ao lado do Coronel Olcott fundou a Sociedade Teosófica (ST) na data de 17 de novembro de 1875 em Nova Iorque, nos Estados Unidos. A entidade se dedica a propagação dos valores teosóficos, como “encorajar o estudo de Religião Comparada, Filosofia e Ciência”, segundo o site da TS no Brasil.
"Não há religião superior à Verdade" - lema da Sociedade Teosófica.
Em 1905, a organização foi estabelecida legalmente, com sede internacional na cidade de Chennai, na Índia. Atualmente, após mais de 140 anos desde sua fundação, a Sociedade segue sendo um exemplo de conhecimento e assistência social, com cerca de cem filiais espalhadas ao redor do mundo, que se empenham em seguir as diretrizes da “Madame Blavatsky”. Sua filosofia chegou em Juiz de Fora, no ano de 1988 em um Grupo de Estudos (GET) liderado por Tereza de Freitas Carvalho, que, posteriormente, pelo aumento do número de frequentadores, foi transformado em Loja Estrela D'alva.
“Como loja temos o direito ao voto em assembleias e congressos nacionais”, relata Tereza que atualmente preside a filial da cidade. Segundo Tereza, “a Helena foi um divisor de águas, antes e depois, trazendo um olhar novo e compassivo para os membros, a religião e os animais. Para mim ela é minha vida!”. Embora atue propagando os ensinamentos da ocultista a mais de 30 anos, para ela foi uma descoberta feliz saber que existe uma rua com o nome de Blavatsky: “Para mim é novidade! Possivelmente é a única rua no país que a homenageia. O que significa que alguém daqui foi impactado pela nossa organização”.
Além disso, os estudos e obras literárias de Helena influenciaram profundamente o esoterismo ocidental. O clássico “A doutrina secreta”, de 1888, explora os mistérios profundos da cosmogonia e o desenvolvimento espiritual da humanidade. Ademais, ao longo do texto, a autora discorre sobre a criação do universos não ter sido por acaso e ter como finalidade a evolução humana. Além de abordar o conceito de raça-raiz, que seria os estágios do desenvolvimento da alma.
Em 1998, seu trabalho foi reconhecido pela lei de nº 9231, que rebatizou a antiga rua sem saída do bairro Vila Ideal, em sua homenagem. Sua influência ultrapassa o nível religioso e filosófico, a tornando um símbolo de vida altruista e inspirando personalidades como Gandhi, Albert Einstein e Fernando Pessoa. A ocultista faleceu no dia 8 de maio de 1891 em Londres.
“Do Sul ao Sudeste”
Sendo um dos bairros mais novos da cidade, o Terras Altas, embora possua loteamentos desde os anos 2000, teve o seu período de desenvolvimento mais intenso a partir de 2010. “Meu pai comprou um terreno aqui em 2011 e na época só existiam quatro casas no bairro, contando com a nossa. Nós tivemos até que trocar de lote. Aparecia muita mina d’água e até hoje elas existem”, relata Simone Souza, moradora da região de 45 anos.
Neste momento, as demandas por melhorias na infraestrutura da região eram altas, e diziam principalmente sobre os buracos nas ruas, a falta de iluminação pública e o mato alto. Assim, neste mesmo ano, no dia 9 de novembro, surgiu a Associação dos Moradores e Proprietários do Bairro Terras Altas (A.M.P.B.T.A.), atualmente presidida por Dayani Machado.

“Moro no Terras Altas há 12 anos e posso dizer que de todos - os bairros - que já morei, é o melhor. Ele é muito grande. A única questão são os bichos que vira e mexe aparecem”, afirma a técnica em enfermagem, Maria Eduarda Moura. A comum a aparição de animais peçonhentos como escorpiões, aranhas e cobras se dá por conta da proximidade com a Reserva Biológica Poço d`Anta, com a qual o bairro divide o espaço.
E foi a poucos metros da casa de Maria Eduarda, que em 2017 a lei nº 225 determinou que “um pequeno morro” fosse rebatizado em homenagem à Senhora Maria José Pires de Freitas. Embora a distância seja pouca, Eduarda confessa que nunca havia ouvido falar sobre esse nome: “eu não sabia que ela - a rua - se chamava assim. Pra mim, ela fazia parte da rua Borges, que fica bem embaixo.”
Apesar da homenagem ter sido feita na zona sudeste da cidade, Maria, nascida no dia 08 de maio de 1920, passou a vida toda na Região Sul. Neta de alemães, foi criada no Bairro São Pedro. Onde se localizavam diversas colônias operárias de imigrantes - sobretudo alemães - no início do século XX. Lá, encontrou ainda jovem, grande dificuldade financeira, sendo impedida de estudar, por falta de recursos para ir até a escola.
Em 1940, se casou com o Sr. José Raimundo de Freitas, comerciante que se estabeleceu no Bairro Santa Luzia, onde juntamente da esposa, começou sua família. Maria se tornou uma das pioneiras do bairro, acompanhando o processo de seu desenvolvimento desde os tempos que era chamado de "Cachoeirinha".
Após ficar viúva em 1971, tornou-se a principal provedora de seus 9 filhos. Aprendendo por conta própria a como administrar financeiramente sua casa, mesmo sem formação formal. Muito religiosa, de acordo com a doutrina católica. A maioria deles optou pelo casamento, enquanto dois, o Pe. Freitas e a Irmã Maura, seguiram a vocação Sacerdotal e Religiosa, lhe provocando grande satisfação.
Maria José faleceu de morte natural no dia 15 de abril de 2012, aos 91 anos, em Juiz de Fora, deixando um legado enquanto força feminina. “O bairro Santa Luzia deve muito a esta cidadã, que tendo uma atuação de destaque foi uma de suas principais pioneiras, merecendo por tudo que fez ter o seu nome em um logradouro da cidade, servindo de exemplo e referência para muitas pessoas e gerações futuras”. Segundo o ex-vereador proponente da lei José Mansueto Fioriilo, do Partido Trabalhista Cristão (atual Agir).
Mulheres Garcia: Mãe e filhas dão nome às ruas do bairro de Lourdes
Padroeira dos doentes e símbolo de fé e cura. Localizado na região sudeste de Juiz de Fora, o bairro Nossa Senhora de Lourdes tem uma rica história e infraestrutura. A área abriga importantes marcos, como a Praça Cardoso Sobrinho e o Instituto Jesus, este último situado na Rua Inácio da Gama, 813, oferecendo serviços de saúde e educação para a comunidade. A Paróquia Nossa Senhora Mãe de Deus, fundada em 9 de julho de 1968, também é um ponto central de encontro e espiritualidade para os moradores.
Indo por esse eixo, nos últimos anos, o bairro tem recebido diversas melhorias em sua infraestrutura. Em 2013, foram instaladas 319 novas placas de sinalização vertical, facilitando a mobilidade urbana e aumentando a segurança viária. “O bairro sempre foi conhecido por ser calmo, mas hoje vejo mais movimento e opções de comércio. Temos várias opções como feira, as praças e nas festas de crianças eles sempre dão comida”, relata Maria Eduarda Canfidelis, moradora da área. Assim, projetos como o “Rua de Brincar” foram implementados para promover a convivência comunitária e oferecer espaços de lazer para crianças e famílias.
Nascida no dia 31 de outubro de 1866, Florentina Amélia Garcia foi além de matriarca de sua família, uma das principais responsáveis pela fundação do Bairro Nossa Senhora de Lourdes. Filha de Joaquim Gomes do Nascimento e Idalina Gomes do Nascimento, foi criada no município de Santa Rita do Ibitipoca, Minas Gerais, onde se casou aos 23 anos, com o jovem José Francisco Garcia, em 21 de setembro de 1889.

Pouco tempo depois, o casal se mudou para a cidade de Juiz de Fora, onde José exerceu diversos cargos públicos e Florentina se dedicou à realização de diversas atividades filantrópicas. Não existem muitas informações sobre suas trajetórias, porém, devido a sua grande importância para a construção da história de Juiz de Fora, no dia 04 de setembro de 1968, por meio da lei de nº 3013, a rua “Y” do Bairro de Lourdes foi rebatizada com o nome de Florentina. Já no dia 27 do mesmo mês e ano, foi a vez de seu esposo, que teve a rua “B”, do atual bairro do Tiguera, nomeada em sua memória, graças à lei nº 3032.
Após a morte de José em 27 de abril de 1917, acredita-se que Florentina não tenha voltado a se casar, assumindo assim, a chefia de sua casa até o dia de sua morte, em 02 de outubro de 1952, aos 86 anos de idade. Também não se sabe com precisão quantos foram os filhos provenientes deste casamento, somente tendo certeza das irmãs: Alzira e Maria Garcia. Que ao lado da mãe, tiveram seus nomes eternizados nas ruas do Bairro de Lourdes.
Além de continuar o legado da mãe, Alzira e Maria Garcia também deixaram suas marcas na história de Juiz de Fora. Alzira, nascida em 1907, seguiu a carreira de professora e foi proprietária dos terrenos onde se estabeleceu o bairro Nossa Senhora de Lourdes, contribuindo diretamente para o crescimento da região. Já Maria, nascida em 1891, foi uma modista talentosa, fundando um ateliê na cidade e tornando-se referência na costura. Ambas tiveram seus nomes eternizados em ruas do bairro, deixando o legado da família Garcia na formação do local e suas contribuições para a comunidade juiz-forana.
Ilva Horta de Mello Reis: o Amor pela Natureza e pela Arte
Nascida em 15 de outubro de 1908 em Juiz de Fora, Ilva Horta de Mello Reis foi filha de uma família tradicional e se destacou tanto no campo educacional quanto no amor pela natureza e pelas artes. Antes de se casar, ministrou aulas em escolas particulares, onde já mostrava sua vocação para o ensino. Porém, foi surgindo uma nova paixão:: o cultivo das plantas ornamentais.
Ilva cuidava do jardim da família, criando espécies que eram admiradas por todos. Sua dedicação à natureza refletia seu lado artístico. Com o nascimento do filho, veio a necessidade de uma educação de qualidade, isso fez com que a família deixasse a fazenda São José e se mudasse para a cidade. Assim, Ilva continuou com suas atividades, mas agora se dedicando também à coleção de peças raras para o antiquário, em viagens por várias partes do Brasil.
Ilva faleceu em 13 de março de 1976, deixando um legado de dedicação, sensibilidade artística e um imenso amor pela natureza, que ecoa até hoje através da rua que leva seu nome.
Olinda Paula Magalhães: A Educação transformadora em Juiz de Fora
Assim como a alegria carregada em seu nome, Olinda Paula Magalhães começou sua trajetória como professora na Escola Rural Mista de João Ferreira, em 1930. Durante anos, ela se dedicou ao ensino, principalmente em áreas rurais, e passou a dar aulas em sua casa, uma atitude inovadora e corajosa na época, que marcou sua vida e a de muitas crianças.
Nascida em 28 de abril de 1902, em Ouro Preto, foi uma das educadoras mais importantes de Juiz de Fora. Com o tempo, Olinda se tornou uma das figuras centrais da educação no município, ampliando o número de alunos e moldando as gerações seguintes. Em 1968, Olinda foi homenageada com a inauguração de uma escola com seu nome — Escola Municipal Olinda de Paula Magalhães, localizada no bairro Jardim Esperança — que representa sua luta constante pelo ensino de qualidade e pelo bem-estar da comunidade.
Além de sua atuação como educadora, Olinda também era conhecida por sua generosidade e devoção religiosa. Ela foi muito respeitada pela comunidade local, que reconheceu nela uma mulher de bondade.
Olinda faleceu em 1º de dezembro de 1973, mas seu legado continua em Juiz de Fora, especialmente nas ruas que levam seu nome e no reconhecimento que sua trajetória carrega por toda a cidade.

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